Cemaden, uma joia do setor público pouco conhecida


Temos uma boa fundação inicial no Cemaden, mas é urgentemente necessária uma revolução no gerenciamento de riscos climáticos em todos os setores da sociedade e da economia

Nos últimos anos, o regime climático global está experimentando anomalias extremas que estão muito acima do padrão do registro histórico. Considerando o papel central que O oceano desempenha no controle e na regulação do clima mundial, é extremamente preocupante que os oceanos do mundo tenham atingido uma anomalia de temperatura muito alta de um pouco acima de 1°C. Provavelmente ultrapassamos algum limite e agora estamos vivendo alguns dos cenários climáticos descritos pelo aclamado escritor de ficção científica Kim Stanley Robinson em seu livro "The Ministry for the Future".

Dada a alta taxa de fatalidade na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro, no início de 2011, devido a deslizamentos de terra e enchentes de grandes proporções, a importância da prevenção de desastres de forma abrangente e em âmbito nacional tornou-se uma das principais iniciativas do governo federal para conceber, projetar e implementar o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) quase imediatamente.

Divulgamos um white paper pedindo a fundação de uma instituição nacional de monitoramento e sistema de alertas de desastres climáticos, antecipando em aproximadamente seis meses antes daquela tragédia.

Baseado em outras implementações de sistemas de alertas de desastres climáticos em todo o mundo, o governo federal formulou um "balcão único" com abordagens multidisciplinares para poder endereçar múltiplos riscos e múltiplas tipologias de vulnerabilidades - isso permitiu dar um salto de modo que, após sua inauguração no final de 2011, o Cemaden foi considerado pela comunidade mundial especializada em risco de desastres como um dos melhores exemplos, fornecendo um modelo para vários outros países em desenvolvimento.

Nesse contexto, em julho de 2011, O Cemaden foi formalmente criado no âmbito do MCTI. Em dezembro daquele ano, a Fase 1 do Cemaden estava operacional 24 horas por dia, sete dias por semana. Foi quase um recorde mundial para o setor público, levando 11 meses desde a ideia, passando pelo projeto conceitual, o desenvolvimento e a integração de todos os components tecnológicos necessários, a contratação e o treinamento de uma equipe semente multidisciplinar, o desenvolvimento de todos os protocolos e o processos-chave necessários para o lançamento do primeiro site 24x7 em dezembro 201, situado no campus do Inpe em Cachoeira Paulista (SP).

Hoje, 13 anos depois, o Cemaden tem uma equipe multidisciplinar de 92 servidores públicos, a maioria doutores especializados em todos os tipos de desastres naturais, mas conta com um modesto orçamento anal de R$ 20 milhões a R$ 25 milhões. O retorno de valor público de um investimento tão pequeno para um país do tamanho e da complexidade do Brasil tem sido realmente muito grande.

Embora não haja um registro exato do número e severidade dos desastres prevenidos ou vidas salvas desde sua fundação, o Cemaden tem sido fundamental para a redução significativa de perdas humanas e materiais, mais recentemente e tragicamente com os eventos de megainundação no estado do Rio Grande do Sul em maio de 2024. Em 29 de abril 2024, estava claro para o centro que haveria um evento de inundação de grandes proporções que poderia impactar Porto Alegre e várias regiões do RS - esses alertas precisos foram emitidos e comunicados para a Defesa Civil Federal e a Estadual do RS (a contraparte do Cemaden por lei).

A cadeia de valor de risco de desastres é longa e complexa, com vários elos, em que diferentes decisões compatíveis ou não são tomadas por diferentes participates de forma autônoma em cada elo da cadeia, sem o conhecimento de outras decisões na cadeia de valor de risco, sejam elas de governos e instituições federais, estaduais e municipais, sejam elas de grandes, médias e pequenas empresas ou de cidadãos expostos a vulnerabilidades variadas. Essa natureza fragmentada da cadeia de valor que opera em diferentes domínios espaciais e temporais é provavelmente um dos principais motivos pelos quais o enfrentamento da emergência climática em que nos encontramos é tão complexo e avassalador.

O Atlas de Desastres Naturais no Brasil registra perdas de R$ 485 bilhões nos últimos 11 anos. O Cemaden, em parceria com o IBGE, estimou em 2018, analisando 825 municípios com históricos de desastres causados por excessos de chuvas, que existam mais de 8 milhões de brasileiros vivendo em áreas de risco alto de deslizamentos e inundações e, dentre estes, cerca de 2 milhões em áreas de altíssimo risco. Essas populações devem ser movidas para locais 100% seguros. Os desastres que vêm ocorrendo, como agora no RS, mostram que os números são muito maiores.

Então, o que aprendemos após 13 anos de fundação do Cemaden? A lista é longa e complexa. Sabemos que hoje não há sinais de preço ajustados ao risco com credibilidade que impulsionem um comportamento preventivo; não há um plano nacional abrangente de gestão de riscos climáticos e de transferência de riscos regionais ou setoriais; temos várias barreiras de políticas públicas em termos de baixa priorização de prevenção em relação à recuperação e reconstrução de desastres; há várias falhas de comunicação na cadeia de valor de risco de ponta a ponta; e há várias lacunas científicas e tecnológicas que precisam ser fechadas com os rápidos avanços em IA e robótica, entre muitas outras.

Não temos dúvida que o Cemaden é uma das joias do setor público do Brasil e um dos "segredos abertos" mais bem guardados do governo, pois O brasileiro médio ou até mesmo a elite ainda não tem idea plena de sua existência ou do valor público incomensurável que ele já proporcionou à sociedade brasileira. Precisamos ter muito orgulho disso e saudar o trabalho silencioso dos heróis do Cemaden desde a sua fundação em 2011.

Uma revolução no gerenciamento de riscos climáticos e na transferência de riscos em todos os setores da sociedade e da economia é urgentemente necessária agora. Temos uma boa fundação inicial no Cemaden, mas precisamos urgentemente de novas e inovadoras parcerias públicas privadas para, mais uma vez, nos levar de ideias e conceitos a planos executáveis com alto impacto muito rapidamente.

Especialmente, necessitamos aperfeiçoar os sistemas de alertas de desastres climáticos para todo o país e desenvolver e implementar rapidamente sistemas de adaptação que aumentem a resiliência de todo sociedade e de nossa rica natureza à emergência climática que atinge o planeta Terra.


Written by Carlos Nobre and Juan Carlos Castilla-Rubio

Carlos Nobre é pesquisador do Instituto de Estudos Climáticos da USP e copresidente do Painel Científico para a Amazônia.

Juan Carlos Castilla-Rubio é presidente da empresa brasileira SpaceTime Labs e fundador de startups de IA e robótica para desafios climáticos.


Published in Valor Econômico, June 26th 2024


Fabio Issao
Currently focused on Branding and Information Design, Fabio Issao helps individuals and organizations to improve their visions, purposes and businesses strategies through design-oriented methodologies. In the last 12 years, Fabio co-founded 3 design studios (LUME, Flag and Camisa10). After that, he served as the Strategic Design Director at Mandalah, a global conscious innovation consultancy, for 5 years, where he helped global and local brands to implement design as a changing-driver for all its projects. Since July 2014 he's been working on different projects, all of them based on creating social good and purposeful products and services.
http://www.fabioissao.com
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